Hemocromatose hereditária (distúrbio hereditário de sobrecarga de ferro): cerca de 1 em cada 200 pessoas de origem do norte da Europa tem risco genético para hemocromatose. Pessoas com essa condição absorvem muito ferro de sua dieta. O excesso de ferro é armazenado no corpo e, com o tempo, isso leva à sobrecarga de ferro.
A falta de ferro causa problemas de saúde, mas, para alguns, o excesso de ferro também é prejudicial. Se não for detectado e tratado, esse excesso pode danificar órgãos ou tecidos e potencialmente resultar em morte prematura.
A hemocromatose tende a ser subdiagnosticada, em parte porque seus sintomas são semelhantes aos de várias outras doenças.
Ambos os sexos correm risco de hemocromatose. As mulheres tendem a desenvolver a condição mais tarde na vida por causa da perda de sangue durante os anos férteis, devido à menstruação. No entanto, algumas podem apresentar sintomas em idade precoce.
A boa notícia é que, se a hemocromatose for detectada antes de causar danos, pode ser facilmente tratada e não impede uma vida longa e bem-sucedida
Absorção de ferro
O ferro é um oligoelemento vital que obtemos da nossa dieta diária. O corpo é cuidadosamente ajustado para absorver apenas a quantidade de ferro de que necessita. Os glóbulos vermelhos contêm a proteína hemoglobina, responsável por transportar oxigênio pelo corpo, e o ferro é essencial para a produção de hemoglobina.
O corpo humano não possui um mecanismo para eliminar o excesso de ferro. Ele controla os níveis de ferro absorvendo apenas a quantidade necessária a partir dos alimentos. Qualquer excesso é armazenado nos órgãos e articulações.
A hemocromatose pode comprometer a capacidade do corpo de regular a absorção de ferro, resultando em uma absorção e armazenamento excessivos. Esse acúmulo de ferro é o que pode causar danos ao organismo.
Efeitos da sobrecarga de ferro
O corpo normalmente armazena cerca de um grama ou menos de ferro. No entanto, uma pessoa com hemocromatose absorve muito mais ferro dos alimentos do que o necessário. Estoques de cinco gramas ou mais podem se acumular no corpo. Órgãos como o fígado, coração e pâncreas podem ser afetados e, eventualmente, danificados. Sem tratamento, a hemocromatose pode levar à morte prematura.
Para pessoas com hemocromatose, o excesso de ferro armazenado nos órgãos e articulações aumenta gradualmente ao longo dos anos. Se não for tratada, o fígado pode aumentar de tamanho e sofrer danos, resultando em doenças graves como cirrose ou câncer de fígado. Além disso, o acúmulo de ferro pode causar outros problemas de saúde, incluindo doenças cardíacas, diabetes, disfunções endócrinas e sexuais, além de artrite.
Outras formas de hemocromatose
Existem formas raras, mas importantes, de hemocromatose, como a hemocromatose juvenil e a hemocromatose não-HFE. No entanto, aqui abordaremos apenas a hemocromatose hereditária.
Sintomas
Nos estágios iniciais da sobrecarga de ferro causada pela hemocromatose, os sintomas podem estar completamente ausentes ou serem muito inespecíficos. Isso pode incluir fadiga generalizada, fraqueza, perda de peso, dor abdominal e dores nas articulações. Esses sintomas, quando presentes, tendem a se desenvolver lentamente. Cada pessoa é única, por isso os sintomas podem variar de indivíduo para indivíduo.
Em casos de sobrecarga de ferro mais elevada, os sintomas variam dependendo dos órgãos afetados. O excesso de ferro pode impactar o fígado, articulações, pâncreas, pele e órgãos sexuais, com sintomas diferentes para cada pessoa.
Altos níveis de ferro podem causar cirrose e câncer de fígado. Se o pâncreas for afetado, pode levar ao desenvolvimento de diabetes mellitus tipo 2, com todos os seus sintomas. O coração também pode ser afetado em casos raros, com sintomas como palpitações devido a danos no músculo cardíaco e até insuficiência cardíaca.
Raramente, pessoas com hemocromatose apresentam uma coloração cinza ou bronzeada da pele. As mulheres podem ter menopausa precoce e perda da libido, enquanto os homens podem apresentar impotência.
Diagnóstico
A hemocromatose hereditária é diagnosticada por meio de exames de sangue simples. Em alguns casos, a ferritina pode estar elevada em exames de rotina realizados por outras razões. Seu médico pode solicitar exames adicionais se os seus sintomas indicarem a possibilidade de hemocromatose, ou caso você saiba que um parente próximo foi diagnosticado com a condição.
Pais, irmãos, irmãs e filhos de pessoas diagnosticadas com hemocromatose devem ser testados. No entanto, não é necessário testar crianças antes do final da adolescência, a menos que os sintomas apareçam precocemente.
Avaliação do Ferro
Esses exames de sangue buscam dois indicadores que podem sinalizar a presença de hemocromatose: o Índice de Saturação de Transferrina (IST) e a ferritina. Geralmente, são realizados em jejum.
Homem | Mulher | |
Ferritina | 20 a 300 μg/L | 20 a 200 μg/L |
Índice de Saturação da Transferrina | 20 a 45% | 20 a 45% |
Os intervalos de referência podem variar ligeiramente entre diferentes laboratórios. Se os resultados desses testes estiverem acima dos intervalos de referência, os exames serão repetidos para confirmação. Caso o segundo teste também exceda os limites, um exame genético será necessário para confirmar a hemocromatose.
Teste Genético
O gene associado à hemocromatose é conhecido como HFE (Regulador Homeostático do Ferro). A hemocromatose ocorre quando o teste genético revela que a pessoa é homozigota, ou seja, possui duas cópias defeituosas do gene HFE.
Indivíduos com apenas uma cópia defeituosa são heterozigotos e não apresentam sintomas. No entanto, são considerados “portadores” da condição, pois podem transmiti-la aos filhos.
Evidências médicas indicam um risco significativo de danos aos órgãos quando os estoques de ferro levam a níveis de ferritina sérica acima de 1.000 µg/L. No entanto, algumas pessoas podem apresentar sintomas com níveis entre 300 e 1.000 µg/L, sendo que níveis mais elevados estão geralmente associados a sintomas mais graves.
Genética
Os genes vêm em pares, sendo um herdado do pai e outro da mãe. Embora várias mutações no gene HFE tenham sido descobertas, duas mutações principais estão associadas à hemocromatose hereditária: C282Y e H63D. A mutação C282Y está ligada à maioria dos casos da doença, enquanto a mutação H63D parece ter um impacto menor, assim como outras mutações mais raras.
A hemocromatose é uma doença genética recessiva, o que significa que, para a condição ser transmitida, tanto a mãe quanto o pai precisam ter uma cópia anormal do gene HFE.
Assim, podemos ter as seguintes combinações:
- Pessoa C282Y/C282Y: Homozigoto, com duas cópias da mesma mutação (alto risco de sobrecarga de ferro).
- Pessoa C282Y/H63D: Heterozigoto composto, com cópias de mutações diferentes (risco aumentado de sobrecarga de ferro).
- Pessoa H63D/H63D: Homozigoto, com duas cópias da mesma mutação (risco muito leve de sobrecarga de ferro).
- Pessoa C282Y/—- e H63D/—-: Uma cópia da mutação e uma cópia normal (provavelmente sem risco de sobrecarga de ferro).
Como isso afeta minha família?
É importante que os familiares próximos estejam cientes do risco de desenvolver sobrecarga de ferro. Pais, filhos, irmãos e irmãs devem fazer o teste genético para determinar se têm uma predisposição para a hemocromatose.
Hemocromatose não-HFE
Cerca de 1 em cada 700 pessoas com hemocromatose não apresenta mutações no gene HFE. Isso é conhecido como hemocromatose não-HFE e resulta de mutações em outros genes.
Como a hemocromatose é tratada?
O tratamento da hemocromatose consiste na remoção de sangue por flebotomia, também conhecida como sangria terapêutica. Até 500 mL de sangue são removidos em intervalos regulares até que os níveis de ferritina no sangue retornem a uma faixa recomendada pelo médico. Isso pode levar alguns meses, com sangrias realizadas semanalmente ou, às vezes, duas vezes por semana, dependendo dos níveis iniciais de ferritina do paciente.
Uma vez que os níveis normais de ferritina sejam restabelecidos, as sangrias são realizadas com menos frequência, geralmente três ou quatro vezes por ano, para manter esses níveis ao longo da vida do paciente.
Em que nível o tratamento deve começar?
O tratamento deve ser iniciado assim que os níveis estiverem acima do normal. Os níveis de ferro devem ser normalizados o mais rápido possível para evitar danos permanentes, como cirrose, que são irreversíveis. Seu médico definirá um cronograma de tratamento adequado para você.
Onde posso fazer minhas sangrias?
Converse com seu médico sobre as opções disponíveis em sua cidade. Em Uberlândia, as sangrias podem ser realizadas no Hemocentro Regional de Uberlândia – Hemominas, localizado na Av. Levino de Souza, 1845 – Umuarama, CEP 38405-322. O telefone para agendamento é (34) 3088-9200. É necessário agendar o procedimento com antecedência.
Observações:
Estas informações fornecem uma visão geral e podem não se aplicar a todos. Consulte seu médico para saber se são aplicáveis ao seu caso e para obter mais detalhes sobre o assunto.
Referências:
1- Rombout-Sestrienkova E, van Kraaij MG, Koek GH. How we manage patients with hereditary haemochromatosis. Br J Haematol. 2016 Dec;175(5):759-770.
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4- Kowdley KV, Brown KE, Ahn J, Sundaram V. ACG Clinical Guideline: Hereditary Hemochromatosis. Am J Gastroenterol. 2019 Aug;114(8):1202-1218.
5- Haemochromatosis Australia – Patient information. Haemochromatosis Your questions answered.
Autor: Dr. Sílvio Marques Pessoa – CRM: MG 16032
Uberlândia – MG, 11 de setembro de 2024